Uma conexão e vários ensinamentos

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Setembro 2, 2020




O sinal tocou alguns segundos atrás e o tempo, como sempre, quis ser um empecilho aos raros momentos em que conseguimos compartilhar o mesmo ambiente. Você se esticava para apagar a lousa e eu permanecia sentada na minha carteira esperando. O intervalo de troca dos docentes sempre foi o nosso pequeno presente no tempo, os minutos que eu podia compartilhar minhas angústias e alegrias e gafes para depois ouvir sua risada e seus conselhos. Talvez, para nós duas a troca sempre foi muito fácil porque sempre estivemos abertas ao afeto que pode ser compartilhado entre uma mestra e uma aprendiz. O aprendizado que duas pessoas em diferentes fases da vida podem alimentar. Nosso laço sempre foi cheio de metáforas, gestos de carinho em forma de palavras e, foi esse tipo de doçura, em vez do chocolate que você distribui após a primeira atividade da turma, que marcou páginas do meu diário e tomou conta das minhas falas nos jantares de família. Talvez essa tenha sido a primeira lição que você me deu: manter a minha aluna interior viva.

Muito provavelmente eu sempre precisei mais de você do que você de mim e, mesmo assim, você foi o meu vento para levante e estava lá me incentivando a continuar quando eu despenquei. Essa foi a segunda lição: acolher as pessoas que precisam, não por obrigação de nossa parte ou mérito delas, mas porque é assim que nós somos, é assim que queremos ser.

Um pouco de poesia, café, perfumes e indagações sem resposta definitiva: acho que esse conjunto traduz bem os refúgios de essência que construímos para nos conectarmos com as pessoas em tal intensidade e significância que a maioria não ousaria. Dar e receber sem sugar ou se permitir ser sugado, uma bela terceira lição.

E em meio a todas essas coisas lindas e palavras bonitas que existem entre a gente, eu me pergunto se de alguma forma eu conseguiria compreender que é possível conciliar doçura e firmeza caso nós não tivéssemos nos cruzado. Eu me pergunto se teria entendido antes dos dezoito anos de idade que eu sou o meu próprio lar e muito mais do que capaz de traçar o meu caminho como eu desejar, porque eu dou conta das minhas próprias decisões.

Hoje posso dizer que acho que entendi o que você quis dizer sobre a decepção e eu já defini como vou encará-la. E pode ser que em um amanhã daqueles que ainda me restam eu me esqueça de tudo isso, mas tudo bem, porque eu ainda vou atravessar a dor de novo e poderei escalar para ver ainda mais longe do que já vi. Emprestando suas palavras, a felicidade é um instante que vem e já se apaga, mas a dor também é assim. Então que possamos aproveitar o momento antes que ele se dissipe em memória e pertença ao passado tal como o tempo que tomamos emprestado nas trocas de aulas.




Esse texto é mais como uma página de um diário ou um dos muitos discursos nunca realizados que transformei em uma carta que jamais seria endereçada a seu destinatário, mas lendo-o novamente me perguntei se talvez um estranho não poderia algum dia lê-lo e encontrar alguma esperança de que existem pessoas bonitas assim no mundo. Pensei que talvez a pessoa a quem esse texto é dedicado poderia estar tendo um dia ruim e, ao ler, lembrar-se que existem pessoas que a prezam muito. Pensei que em um dia nublado da minha vida eu poderia voltar aqui e encontrar conforto nessas palavras e nas memórias que transbordaram para que elas pudessem ser registradas

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