Poesia cura
As marcas que vê em minhas mãos estendem-se por todo meu corpo.
As mágoas que transbordam em meus olhos estão enraizadas em minha alma
e é tão difícil deixar tudo ir.
Mas para que haja cicatrização é preciso antes esterilizar,
isso significa, queimar de dor até não restar vestígio do que pode causar mal estar.
A cura é um processo lento e nem sempre fácil,
por isso, alguns dias transponho montanhas,
outros nem enfrento o frio do piso até o calor do meio dia.
"Está tudo bem, se nada estiver bem" - digo a mim mesma,
mas quando há apenas eu e o silêncio dos móveis,
o grito de socorro só é ouvido pelas folhas sussurantes
das antologias que guardam em cada página uma espécie de magia.
Assim permito que o mundo desabe.
Aconteça o que acontecer,
contando que eu possa transcender as paredes mal pintadas do meu quarto,
ainda existe metamorfose, a vida ainda vale à pena.
Então encontro-me nos poemas de pessoas mortas que aprendi a amar
e, conforme as palavras atravessam,
posso transcender o que existe no peito e trazê-lo à tona nas folhas de um diário.
Poesia marginal. Poesia sem reconhecimento. Poesia de cura:
Pura e simples expressão.
Ainda existem partes de mim que estão quebradas de formas que não entendo,
mas a poesia -doce e poderosa- conhece cada uma delas
e sabe como suspender a dor
por tempo suficiente para que eu possa respirar.
A tinta sobre o papel quando lida aflora vida.
A tinta sobre o papel quando escrita libera um peso para fora do peito.
Isso é o que chamo de cura pela poesia, ou melhor, poesia da cura,
porque somente a poesia cura.
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