Poesia cura

Van Gogh's Bedroom in Arles (1889)    


As marcas que vê em minhas mãos estendem-se por todo meu corpo.

As mágoas que transbordam em meus olhos estão enraizadas em minha alma

e é tão difícil deixar tudo ir.

 

Mas para que haja cicatrização é preciso antes esterilizar,

isso significa, queimar de dor até não restar vestígio do que pode causar mal estar.

A cura é um processo lento e nem sempre fácil,

por isso, alguns dias transponho montanhas, 

outros nem enfrento o frio do piso até o calor do meio dia. 

 

"Está tudo bem, se nada estiver bem" - digo a mim mesma,

mas quando há apenas eu e o silêncio dos móveis,

o grito de socorro só é ouvido pelas folhas sussurantes

das antologias que guardam em cada página uma espécie de magia.

 

Assim permito que o mundo desabe.

Aconteça o que acontecer,

contando que eu possa transcender as paredes mal pintadas do meu quarto,

ainda existe metamorfose, a vida ainda vale à pena. 

Então encontro-me nos poemas de pessoas mortas que aprendi a amar

e, conforme as palavras atravessam,

posso transcender o que existe no peito e trazê-lo à tona nas folhas de um diário.

 

Poesia marginal. Poesia sem reconhecimento. Poesia de cura:

Pura e simples expressão.

 

Ainda existem partes de mim que estão quebradas de formas que não entendo,

mas a poesia -doce e poderosa- conhece cada uma delas 

e sabe como suspender a dor 

por tempo suficiente para que eu possa respirar.

 

A tinta sobre o papel quando lida aflora vida.

A tinta sobre o papel quando escrita libera um peso para fora do peito.

Isso é o que chamo de cura pela poesia, ou melhor, poesia da cura,

porque somente a poesia cura.


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