Os covardes sempre vencem


AVISO DE "GATILHO": Esse conto, narrado desde a perspectiva de um garoto de doze anos, é uma crítica social às violências cotidianas sofridas por mulheres e presenciadas por crianças. Caso tema cause alguma moléstia, recomendo que não leia. 


  É passado da meia noite, sei disso porque escuto os passos cambaleantes de alguém subindo as escadas. Aqueles malditos degraus de madeira a produzirem seu terrível barulho, os quais apenas continuam a me lembrar da ânsia em meu estômago.

   O nervosismo já havia me levado a correr, como o covarde que sou, da cama direto para meu esconderijo de sempre. Desde que meu pai começou seu ritual noturno de auto-multilação-de-fígado, minha mãe me faz esconder debaixo da mesa, esperando, assim, poupar-me do comportamento agressivo.

  No entanto, apesar dessa tática ser fisicamente efetiva, é ineficaz em me proteger de feridas mais profundas, traumas marcados como aço em meu coração e mente.

   Todas as noites vejo-me em meio a mesma batalha: permanecer assistindo a cena, a qual se parece com o enredo das novelas mexicanas que minha avó costumava assistir, mas consegue conter todo o drama e tensão que estas nunca conseguiram, afinal , é real, acontece e se repete bem diante de meus olhos; ou me levantar e intervir na injusta e cruel "briga" que se inicia entre meus progenitores.

   No mesmo cômodo, todas as noites, acontecem duas lutas: uma entre o eu nobre e o eu covarde; outra entre meus pais. E sempre acaba na mesma resultante: os covardes sempre vencem.

   Não importa se é Páscoa, Natal ou Ano Novo. Não há evento que nos salve deste fado.        

  Anseio por fugir. Todos os dias, minha prece é para que deus me ajude a crescer, mudar. O que eu mais quero é um mundo diferente, no qual um garoto de doze anos não tem que dormir chorando, debaixo de uma mesa, enquanto assiste seu pai agredindo sua mãe em plena madrugada.

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