Ariel: é melhor a possibilidade de se viver a vida que se deseja do que a certeza e a segurança de uma vida infeliz

        Lembro que na quando criança, o maior sonho da maioria das garotas que eu conhecia era o de ser uma princesa da Disney. Acho que na infância castelos gigantes, jardins coloridos, vestidos brilhantes, cabelos perfeitos, rostos bonitos e bichos fofinhos são a representação de uma vida perfeita.
     
    Conforme a gente vai crescendo, as coisas mudam: cantorias excessivas passam a ser irritantes, transformações mágicas viram cômicas, o cenário parece meio sem nexo e a beleza de um personagem computadorizado não é mais aquelas coisas. O desfecho é inevitável: passamos a renegar essa parte fantasiosa de nossa existência e abandonamos esse tipo de ficção. 

    Seguimos assim, nos escondendo por detrás desta máscara de maturidade até que chega um momento em que precisamos (re)significar. Em que estamos tão cansados dos golpes duros da realidade que buscamos refúgio na doçura da infância, e então passamos a enxergar com outros olhos os desenhos infantis, agora não mais tão infantis assim.

    Se antes o que chamava nossa atenção era a estética, agora o que nos prende é o roteiro, a profundidade das discussões, a beleza da história e a alegria de um final dignamente elaborado. Dando continuidade a esse processo de retomada, descobrimos que as canções não possuem apenas melodias, que as letras fazem sentido e são, em sua grande maioria, muito profundas. Descobrimos que a personalidade de cada personagem é algo a ser admirado por sua complexidade, ou de ser analisada pelo que ela representa. Porque no fim das contas a ficção é nada mais que um espelho da realidade, só que com alguns atrativos a mais.

    Nos aprofundando um pouco mais no âmbito das músicas, a discussão que eu trago aqui é a respeito de um dos solos que mais me surpreendem até hoje: "Part of Your World" de A Pequena Sereia (no Brasil traduzido como "Parte do Seu Mundo"). Esse foi o solo que me permitiu enxergar através do distrativo que é a paixão de Ariel por Eric, e começar a perceber que seu verdadeiro amor era pela vida da terra, sendo o príncipe uma chave para alcançar sua meta de ter uma vida humana em sua completude.




    Enquanto Ariel canta essa canção, percebemos o quão infeliz ela está embaixo do mar e o quanto ela deseja ter uma vida humana. Vemos o seu lado curioso e ávido por viver uma vida que lhe parece impossível dada sua condição de sereia. Não que ela não reconheça sua posição privilegiada, ela sabe tudo o que possui, mas existe uma inquietação interna que a faz sentir como se não pertencesse aquele mundo.

    Logo no começo, ela fala sobre os objetos de sua coleção, os quais ela ama muito, mas são apenas migalhas da vida humana que ela tanto almeja e, felizmente, ela não se contenta com isso. Felizmente, ela está disposta a questionar a segregação e o medo da diferença. Ela está disposta a quebrar as regras e a seguir seu coração, mesmo que isso significasse perder tudo, porque é melhor a possibilidade de se viver a vida que se deseja do que a certeza e a segurança de uma vida infeliz.

    Essa deve ser uma das razões pelas quais eu amo a Ariel: ela é autêntica, e fiel a si mesma ao extremo. Acima de tudo, ela sabe o que quer e está disposta a pagar o preço para alcançar aquilo que deseja. É nesse solo (Part Of Your World) que ela demonstra essa parte de si com todas as letras e do jeito mais doce que pode haver: por meio de uma linda canção.

    Pensando bem, isso acontece muito dentro das animações, há sempre uma interpretação óbvia e que faz as coisas parecerem fúteis demasiadamente. Mas quando se olha por outros olhos, procurando desvendar outras camadas existentes, há sempre uma cena, uma fala, um personagem, uma música, pronto(a) a nos surpreender. Há sempre um momento apto a aquecer nossos corações, tocar nossas almas e nos fornecer a força necessária para seguir.

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