A mão esquerda que segura a escova

Photo by Braydon Anderson on Unsplash   


Existe alguma graça na estranheza de escovar os dentes utilizando a mão esquerda quando se é destra. Perceber o total fiasco que sou nas mais simples tarefas quando a memória motora ainda está em processo de fabricação põe-me a pensar se todas as simples tarefas são na verdade muito difíceis ou se há desazo intrínseco à minha natureza humana. Provavelmente um pouco dos dois. A repetição é verdadeiramente poderosa: com o passar dos dias a mão trêmula vai, gradativamente, adquirindo estabilidade e a inexperiência dá lugar à precisão. Agora, a simples ideia de machucar a gengiva durante a escovação parece-me distante e, independente da sorte, dentro de algum tempo a mão esquerda e a direita poderão guiar a escova com idêntica familiaridade. Que coisa linda e aterradora é ter certeza que o hábito transforma obstáculos em plataformas, de forma que nos esquecemos de como a vida era antes de os superarmos. Afirmo - com a maior clareza que uma pessoa transitando entre a adolescência e a vida adulta pode ter - que essas idiossincrasias do viver fazem cada instante completamente interessante. A novidade continua sendo meu maior objeto de fascinação. Quando a mão que segura a escova tornar-se intercambiável com aquela que repousa apoiada sobre a pia, naturalmente terei de encontrar outro afazer com o qual poderei desafiar a displicência do domínio, mas até então atenho-me a apreciar a estranheza de escovar os dentes utilizando a mão esquerda.

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