O verme, o veneno e a causa perdida

Um verme invadiu a minha boca e esgueirou-se garganta abaixo. Passou queimando na laringe e consigo senti-lo deformando o coração como uma doença de chagas. Decepção, ai de mim atormentada por tantos demônios, tão diferente de todos os outros idealistas que acreditam no bom homem. Ai de mim que quisera moldar-me nessa forma de pensamento utópica e a realidade impiedosa decidiu impor-se. Ai de mim, a quem a vida não prometeu nada. Ai de mim, cansada antes mesmo de começar. Tantas paixões que em noite são fogo e pela manhã borralho. Irreais, tanto quanto as peças que minha imaginação já me pregou quanto aos planos e sonhos para essa vida e mais seis reencarnações. Sem mais depois, queimar e apagar e arder e esfriar. Inferno vivo é zanzar na linha que divide o som e o silêncio, a esperança e a conformação. Crer então não crer para acreditar novamente. É como estar doente e envenenar-se para matar o parasita, repetidamente. E contudo, morrer e viver e morrer novamente. A vida é uma batalha perdida, mas morrer não é melhor alternativa, sequer uma escolha, apenas uma constatação. Um complemento antitético do viver.
E tudo tem gosto de perda, perco o mundo todos os dias apenas para reencontrá-lo comigo deitado à cama. Que grande masoquista que vejo nos reflexos! A sombra rasteira que me segue antes titânica transformou-se em plasmolisada. O verme esbulhou-me por dentro como salmoura e eu sequei como o sertão. A grande surpresa talvez resida no fato de que apesar do contínuo processo de estragar simule o pé de um Golias descansando sobre o peito, o estado de estrago não dói mais do que o formigante amortecimento de uma queimadura e a recuperação é tão tentadora quanto o fruto proibido. Todos os dias, o verme, o veneno e a causa perdida.



Illustrations by:@pch-vector

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